Nota das entidades sindicais, estudantis e populares sobre o extermínio nas periferias do dia 04/11/2014, em Belém do Pará.
"Belém amanheceu manchada de sangue neste dia 5 de novembro. Mais uma vez, o extermínio da população pobre e negra da periferia da cidade chocou o conjunto da população brasileira e desnudou a ineficiência da política de segurança pública adotada no país, centrada no aparelho repressivo e na guerra aos pobres.
As execuções em Belém iniciaram logo após o assassinato de um cabo da Polícia Militar, acusado de ter envolvimento com milícias (grupo formado por agentes públicos que atuam na ilegalidade, supostamente oferecendo proteção para a população) e que respondia processo judicial por homicídio em 2007. Oficialmente, o sistema de segurança pública do Estado contabiliza, até o momento, nove pessoas exterminadas nos bairros da Terra Firme, Guamá, Marco, Jurunas e Sideral.Porém, relatos dos moradores revelam que este número é muito maior, isto sem contar as vítimas de baleamento, agressões físicas e todas as manifestações de violência simbólica, como o toque de recolher imposto por policiais, que relembrou os anos de chumbo da Ditadura.
O extermínio ocorrido na noite do dia 4 de novembro expressa o quão exposto à violência está a população paraense, haja vista que o Pará é o sétimo estado mais violento do Brasil, com um índice de homicídios de 41,7 mortes a cada 100 mil habitantes, muito maior do que a média mundial.
Por trás destas mortes, há fortes indícios de uma rede miliciana, o que tem crescido cada vez mais no estado do Pará, sob o silêncio ou conivência de autoridades que deveriam garantir o direito fundamental à vida. Dados da Ouvidoria de Segurança Pública do Pará mostram que, em 2013, foram identificados 135 homicídios cometidos por agentes de segurança pública, sendo 122 realizados por PMs, 12 por policiais civis e um por Bombeiro Militar. No mesmo período, os casos de lesão corporal chegaram a 118, e outras 13 pessoas denunciaram tortura. No entanto, a própria Ouvidoria acredita que este quantitativo é bem maior, haja vista que muitas denúncias nem chegam às delegacias.
Cabe ressaltar que o Governo do Estado tem uma parcela de responsabilidade com o envolvimento de policiais com milícias e grupos de extermínio, na medida em que não valoriza os praças (soldados, cabos e sargentos), que são os mais expostos às péssimas condições de trabalho e submetidos a baixos salários, o que aponta a importância da PEC 300 (projeto que iguala os salários dos policiais brasileiros ao dos profissionais do Distrito Federal) ser aprovada no Congresso Nacional.
Além disso, os praças são subordinados a uma hierarquia que reproduz a tirania da Ditadura Militar, o que indica que é preciso desmilitarizar a PM e investir na formação em Direitos Humanos e Cidadania para os agentes de segurança pública.
Avaliamos que uma verdadeira política de segurança pública não se implanta com repressão e nem com caravanas ou ações pontuais, mas com mudanças na política econômica e investimento em educação, saúde, cultura, esporte e lazer, o que é cotidianamente negado à juventude pobre nas periferias brasileiras, condenada a um futuro de incerteza, onde predominam a exploração sexual e a criminalidade.
Neste contexto, repudiamos também o papel deseducador e criminoso da maioria dos meios de comunicação social, que em jornais e programas televisivos, incitam a violência e o extermínio contra os moradores das periferias, contribuindo para a disseminação do preconceito e desrespeitando as leis que garantem o direito à ampla defesa para todos os cidadãos brasileiros.
Ao contrário do governo do Estado, jamais iremos silenciar neste momento de dor. Queremos transformar nosso luto em luta. Para isso, exigimos do governador Simão Jatene que o extermínio do dia 4 de novembro seja devidamente apurado e os seus autores responsabilizados – estejam eles em cargo de comando ou não. Exigimos, ainda, que o governo do Estado garanta a assistência psicossocial aos familiares das vítimas. Não iremos aceitar que este extermínio caia no esquecimento, tal qual o caso Navalha na Carne, em que policiais militares foram acusados pela prática de diversos crimes. Porém, o processo segue lentamente sem as devidas responsabilizações dos acusados.
Da mesma forma, exigimos a instalação imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Pará - Alepa, para investigar o envolvimento de agentes de segurança pública com milícias e grupos de extermínio, frente à quantidade de denúncias que têm surgido.
Por fim, convocamos a sociedade paraense para um ATO PÚBLICO no próximo dia 11 de novembro (terça-feira), às 9 horas, na Escadinha do Cais do Porto, em Belém, para caminhar em direção à Alepa e exigir a apuração e responsabilização dos assassinos e a instalação da CPI. Em defesa da vida, não nos calaremos!"
Assinam esta nota:
ASCOMPA
Associação de Moradores do Benguí
Associação Unidos pra Lutar
Coletivo Caboclo Monique Lopes
Coletivo Vamos à Luta!
Comissão de Justiça e Paz – Arquidiocese
Conselho Regional de Psicologia
CST-Psol
FASE
Gabinete do Dep. Edmilson Rodrigues
Grêmio/ NPI
Grêmio/ Ulisses Guimaraes
IMANATARA
Juntas
Juntos
Movimento de Direitos Humanos de Icoaraci
Movimento República de Emaus
Movimento Rosas de Março
Núcleo de Educação Popular Raimundo Reis
Pastoral da Juventude
Psol
Rede de Educação Cidadã
Rede Emancipa
SDDH
SINTSEP/PA
UNIPOP
Vereador Fernando Carneiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário