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Audiência Pública sobre EBSERH na Câmara dos Deputados (Foto: Lúcio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados) |
A EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços hospitalares - é uma empresa estatal criada, por lei, pelo Poder Executivo em 2011 como uma empresa pública, com personalidade jurídica de direito privado, para prestar serviços hospitalares através de intervenção na atividade econômica, ou seja, uma empresa estatal com finalidade lucrativa - lucro este obtido por meio do desenvolvimento do seu objeto social, que é a prestação de serviços hospitalares no ambiente do SUS.
Portando, trata-se de uma empresa estatal que, desde o seu nome até o último artigo da lei 12.550/2011 que autorizou a sua criação, nasceu inconstitucional.
É a EBSERH uma empresa estatal que, apesar de formalmente existir desde 2011, nem sede própria tem, de modo que ela ocupa suntuosos prédios em Brasília - DF -, alugados com dinheiro público e pagos mensalmente a algum "sortudo" locador.
Trara-se de uma empresa sem hospital próprio e que para exercer a prestação de serviços hospitalares recebeu das Universidades Públicas Federais, por meio de um contrato de cessão, os hospitais públicos federais universitários, transformando-os em suas filiais, ou seja, em unidades hospitalares empresariais, sem nenhuma finalidade de acadêmica, ferindo de morte a Autonomia Universitária - Princípio Constitucional - e passando a gerir todos eles com um padrão uniforme caracterizado, em geral, pela redução do número de leitos hospitalares oferecidos ao SUS; restrição de acesso; limitação do número de exames complementares diariamente realizados; imposição de regras imorais e ilegais para a realização de determinados exames mais complexos - tal como a exigência de só realizar exame de ressonância nuclear magnética se o paciente estiver "internado", ainda que seja um pedido de exame eletivo e não emergencial, simulando, assim, internações fictícias; adoção do assédio moral contra os servidores públicos estatutários como norma implícita institucional, levando a inúmeros servidores ao acometimento da Síndrome de Bournout; restrição de matrículas para novos pacientes; proibição de atendimento médico a servidores ou alunos sem matrícula na filial; fechamento de serviços de emergência ou transformação destes em serviços referenciados, ou seja, em serviços de portas fechadas à população; patrulhamento das atividades de pesquisas realizadas em suas filiais; constante falta de insumos e materiais hospitalares; aquisição de equipamentos hospitalares adquiridos pela EBSERH no mercado, mas sem qualquer critério, ou seja, transação de compra e venda de materiais de péssima qualidade ou absolutamente não solicitados por aquela filial que recebeu, estabelecendo-se,assim, um novo Princípio Administrativo - o Princípio Inconstitucional da Obscuridade -, dentre tantos outros absurdos.
Como empresa estatal, ela criou inúmeros cargos comissionados - todos ocupados por indicação política - com altos salários, muitos deles ocupados por políticos derrotados nas últimas eleições, parentes e amigos de parlamentares, chegando até mesmo a ser ocupado por gente oriunda da Odebrecht.
Mais do que isso, a EBSERH implantou uma política de encaminhar, por critério pessoal, inúmeros servidores para o Hospital Sírio Libanês, a fim de realizarem curso de gestão hospitalar privada, ao custo, que ainda carece de comprovação, aproximado de 100 mil reais por participante - todo este dinheiro saído dos cofres públicos da Nação, e sob o olhar complacente dos órgãos de controle e fiscalização.
Curiosamente, inúmeras Universidades Públicas Federais brasileiras dispõem de Curso de Pós -graduação em Gestão Pública fornecidos por suas Faculdades de Administração, gratuitos ou pagos com valores infinitamente menores.
Surpreendentemente, essa empresa vem celebrando convênios com entidades estrangeiras na Espanha e França, com a alegação de troca de conhecimentos na área de gestão hospitalar, apesar de estar a lei que autorizou a sua criação sob júdice, haja vista que existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República, e reforçada tanto pelo Conselho Federal de Medicina quanto pela Associação dos Analistas Técnicos do Tribunal de Contas da União, à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, o agir irresponsável e inconsequente é uma das suas características.
Duvido muito que aquelas entidades internacionais tenham conhecimento deste fato. Com certeza, se soubessem, não celebraram qualquer convênio.
Mais surpreendente ainda é a EBSERH celebrar esses convênios com países em que a saúde lá é pública, com gestão pública de caráter público, enquanto as filiais da EBSERH têm gestão atual de caráter privado.
Fico aqui pensando: quanto de valor de diária foi pago para cada pessoa da EBSERH que viajou para aqueles países - Espanha e França - para discutir esses convênios? Em que hotéis eles terão ficado? Quantad pessoas viajaram? Quem viajou com eles? Quais os preços pagos como diárias nesse hotéis? Quanto tempo permaneceram lá?
A EBSERH destrói a boa formação médica brasileira, com repercussões negativas também em todas as áreas da formação de profissionais da saúde, por mudar a natureza dos nossos Hospitais universitários, que deixam de ser verdadeiros hospitais escola e passam a ser meros hospitais empresariais - filiais da EBSERH - de caráter fundamentalmente assistencial. E assistencial com restrições.
A EBSERH acaba com a carreira pública dos profissionais da saúde em todas as Universidades Públicas Federais, compondo todo o quadro de pessoal de suas filiais com empregados públicos celetistas aprovados em Processos Seletivos Simplificados.
Esta empresa estatal não tem, efetivamente, nenhum compromisso com o SUS, com a Autonomia Universitária, com o ensino, com a pesquisa livre ou com qualquer outra coisa que não seja lucro e aparelhamento politico de suas filiais.
Então, de repente, num agir estratégico e puramente midiático, lança a EBSERH um "mutirão para acabar com a fila do SUS". Quanta hipocrisia e cinismo! Em primeiro lugar porque nenhum mutirão, nos termos e na forma como se apresenta, será capaz de acabar com as filas do SUS, porque essas filas são frutos de um projeto de governo de desmonte do SUS, por meio da redução de leitos públicos hospitalares - só nos últimos 6 anos cerca de 30.000 leitos foram desativados no SUS - e do estrangulamento financeiro e de recursos humanos de todos os hospitais públicos brasileiros, sejam eles da esfera municipal, distrital, estadual ou municipal.
Ou seja, as filas do SUS que hoje - e sempre - assistimos não têm a ver com crise no setor da saúde pública brasileira, mas sim com o projeto governamental - que não é somente de agora, mas de pelo menos 23 anos - de transformar o direito fundamental à saúde em saúde como bem de mercado, conforme os ditames do Banco Mundial e de sua ideologia neoliberal.
Portanto, não só as filas continuarão existindo como irão aumentar drasticamente nos próximos 20 anos, já que o estabelecimento de um teto para os gastos públicos, que não exclui os direitos sociais deste plano, só irá causar ainda mais sofrimentos, dores e mortes desnecessárias no ambiente do SUS.
Mais do que isso, o fim dos nossos Hospitais Públicos Federais Universitários - nossos Hospitais-Escola - já vêm provocando uma grave precarização na formação de todos os nossos profissionais das áreas da saúde, pondo toda a sociedade brasileira sob um risco social de consequências inimagináveis em futuro próximo, haja vista que a EBSERH fez do Brasil o único país do planeta Terra a não contar com Hospitais universitários na sua estrutura universitária.
Jornalistas brasileiros, querem, realmente, saber o que é a EBSERH?
Com certeza, vocês não conhecerão a verdade conversando somente com os gestores da EBSERH, mas sim procurando as informações corretas com os servidores públicos e os estudantes desses hospitais.
A lei que criou a EBSERH não tem que sofrer remendos legislativos pra tentar "melhorar" o que ela tem de ruim, simplesmente porque nada de bom ela tem. Inconstitucionalidades não se remendam. Inconstitucionalidades são nulas de pleno direito.
Portanto, a solução a ser dada à EBSERH é a sua urgente extinção, já que, além de ofender a Constituição Federal de 1988, ela constitui um inchaço desnecessário à máquina administrativa, não sendo razoável e nem economicamente viável a manutenção de uma aberração jurídico-constitucional como essa, que destruiu o caráter da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão nas nossas Universidades Públicas Federais, além de romper o Princípio Constitucional da Autonomia Universitária, o que é impensável no Estado Democrático de Direito.
Portanto, o badalado mutirão da EBSERH é mais uma grande mentira bem contada pela imprensa brasileira, enganada por uma empresa estatal que procura se impor por fatos anedóticos que ela mesma cria.
Wladimir Tadeu Baptista Soares
Advogado, médico do SUS e professor do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense - UFF